terça-feira, 29 de junho de 2010

As dificuldades da gestão de talentos em épocas de crise!

Nos últimos tempos, demissão e desemprego se tornaram sinônimos de crise. Diante de tantas incertezas e lucros negativos, muitas empresas não tiveram dúvida em sacar a tesoura e cortar a folha de pessoal sem levar em conta que, na maior parte das vezes, tal atitude não resolve os problemas de fundo, traduzindo-se na deterioração do ambiente de trabalho e da motivação. Para ajudar as empresas a evitar esse tipo de erro, Simon L. Dolan, professor da ESADE e Ramón Valle Cabrera, da Universidade Pablo de Olavide, escreveram em parceria Gestão de Recursos Humanos: como atrair, reter e desenvolver com sucesso o capital humano em tempo de transformação.

Universia Knowledge Wharton: Do ponto de vista da gestão dos recursos humanos, como as empresas devem reagir em momentos de crise? Quais os principais erros que elas costumam cometer?

Ramón Valle Cabrera: A reação mais normal é a de tentar reduzir custos, quase sempre cortando na mão-de-obra e ajustando, em alguns casos, a capacidade produtiva ao encolhimento da demanda. O principal erro que cometem algumas empresas é o de fazer ajustes sem uma análise prévia da área escolhida e sem questionar a escolha feita. Busca-se muito mais o ajuste quantitativo sem se preocupar com aqueles aspectos que poderiam ser melhorados. As crises requerem análises exaustivas.

UK@W.: Quais os maiores desafios que enfrentam os principais responsáveis pelos departamentos de recursos humanos em épocas de transformações?

R.V.: Sem dúvida alguma, criar antes de qualquer coisa sistemas que sejam flexíveis. A flexibilidade é condição necessária e permite à empresa adaptar-se às mudanças. A flexibilidade corporativa requer que as pessoas, todas elas, sejam também flexíveis. Em segundo lugar, é preciso estimular as atividades empreendedoras dentro da companhia. Em terceiro lugar, é preciso conhecer muito bem as capacidades da empresa, sito é, aqueles elementos característicos dela.

UK@W.: Os departamentos de recursos humanos estão preparados para uma conjuntura como a atual? Como poderiam se preparar?

R.V. : Não se pode generalizar, mas nossa experiência na Espanha mostra que ainda há muito o que fazer. O curto prazo e o plano mais imediato exercem forte influência sobre os profissionais da área de recursos humanos. Cabe a eles um papel mais estratégico. É preciso que se integrem mais aos órgãos máximos de decisão. A orientação estratégica das políticas de recursos humanos é determinante para o êxito da empresa. É importante que esses profissionais tenham uma visão da empresa como um todo, interagindo o tempo todo com seus colegas. Deve-se ter em conta que os velhos métodos e princípios de gestão de recursos humanos não resolvem todos os problemas.

UK@W.: Quais as conseqüências das demissões a curto, médio e longo prazos para a rentabilidade das empresas?

R.V.: Trata-se, sem dúvida, de um alívio temporário devido à possível incidência disso na conta operacional das empresas. A médio prazo, porém, os antigos males acabam retornando. Os empregados que ficam são afetados pelas decisões tomadas e o ambiente de trabalho se deteriora com a conseqüente queda de motivação. Se não se fizer uma análise em profundidade da situação (condições de mercado, competitividade dos produtos, capacidade de inovação etc.), a decisão de corte de pessoal, por si só, não resolverá problema algum. De acordo com numerosos estudos, as empresas que tomam decisões a longo prazo, buscando soluções criativas, obtêm o retorno desejado e conseguem resultados melhores do que quando recorrem exclusivamente à demissão. No setor de seguros, por exemplo, há empresas que não fizeram demissões, cujas ações triplicaram de valor em relação às ações de empresas que optaram pela demissão como estratégia de redução de custos. Isto se explica pelo fato de que quando a empresa decide evitar a demissão, passa a buscar soluções inovadoras. Sendo bem-sucedida, a rentabilidade econômica da empresa cresce.

UK@W.: Que recomendações há em seu livro para quem deseja atrair e manter bons profissionais?

Simon L. Dolan: Em primeiro lugar, é preciso identificar o capital humano da empresa em que há um componente estratégico, porque são esses indivíduos que se quer preservar. A atração e a retenção desse pessoal ocorre mediante a oferta de condições de trabalho competitivas em termos de desenvolvimento pessoal e salarial. Na Espanha, estamos próximos de uma escassez de talentos, conforme indicam pesquisas do Índice de Perspectivas Profissionais de 2007 do Instituto de Estudos do Trabalho (IEL) da ESADE. As empresas terão também de tomar algumas medidas em face dessa escassez. Se quiserem explorar todas as fontes de profissionais altamente qualificados, os departamentos de recursos humanos terão de se acostumar a buscar novos talentos em qualquer parte do mundo.

Portanto, eles se verão obrigados a garantir que suas ofertas atendam às necessidades e às aspirações de diferentes grupos étnicos e nacionalidades, mulheres ou trabalhadores mais gabaritados. Além disso, é preciso desenvolver uma cultura própria. A tarefa de cada gerente consiste em assegurar que os profissionais de sua equipe estejam motivados.

Além de boas práticas de recursos humanos, é preciso garantir que os intangíveis (por exemplo, os valores das pessoas) estejam alinhados à missão e à visão da empresa.

UK@W.: O sr. fala em atrair e reter talentos, mas como é possível à empresa desenvolver bons profissionais em suas próprias fileiras?

S.D.: O bom profissional é fruto de um ambiente corporativo que favorece a aprendizagem, promovendo a interação entre os empregados para que o conhecimento seja compartilhado, incentivando as atividades empreendedoras, gerando compromisso na empresa e, naturalmente, mediante um bom projeto de formação. Além disso, para que esse talento esteja vivo e ativo, é preciso criar uma cultura de competitividade e de inovação.

O conceito de que tudo pode sempre melhorar precisa fincar raízes na empresa. De acordo com um estudo recente da consultoria Hay Group, o que mais atrai os bons profissionais nas empresas é o desenvolvimento profissional (20%); liderança no setor (14%) e inovação (13%), desbancando outros fatores tidos como determinantes, como a remuneração (7%).

UK@W.: O que se entende hoje em dia por “talento” dentro de uma empresa?

S.D.: O talento está indissociavelmente unido à formação e pressupõe a existência de algo mais. O talento é mais do que o conhecimento técnico, é também atitude, capacidade de adaptação e liderança.

UK@W.: Em uma época como a de hoje, em que os empregados vivem uma situação de incerteza, o sr. acha que é um bom momento para mudarem de empresa, ou será melhor que “agüentem” uma situação incômoda ou de insatisfação até que a situação se normalize?

R.V.: Em situações de incerteza, em que a expectativa de encontrar outro trabalho é menor, só sairão da empresa aqueles que foram altamente qualificados e com bom preparo profissional. Seja como for, o custo do trabalhador insatisfeito para a empresa é muito alto, o que deveria levá-la a se preocupar com a necessidade de mudar esse quadro.

UK@W.: Que características deve ter o capital humano de uma empresa? Tais características permitem enfrentar melhor uma situação de crise?

S.D.: O capital humano de uma empresa deve ser medido por sua capacidade de gerar valor e pelo grau de conhecimento que possui, que são ambos fatores determinantes de competitividade. No momento em que se identifica esse capital humano, procurando administrá-lo adequadamente, a probabilidade de superar situações de crise será maior do que a da concorrência.

Se administrarmos corretamente o talento, estaremos em melhores condições para enfrentar a crise. O talento tem a ver com a sensação de fluidez e, portanto, quando o colocamos para funcionar, ocorrem cinco condições de fluxo: desafio, meta, retroalimentação, controle e concentração. Uma empresa que desenvolve a confiança e gera as condições descritas, incentiva seus talentos humanos a superar a meta estabelecida.

UK@W.: Qual é a situação da gestão de talentos na Espanha? Existe um atraso em relação a outros países?

S.D.: O empenho das empresas espanholas em incorporar à gestão de recursos humanos as novas diretrizes tem sido bastante significativo, mas o caminho a percorrer é longo. Saímos atrasados, e para que se compreenda que o recurso humano é fator de competitividade e, como tal, há necessidade de administrá-lo, é preciso que haja mudanças nas formas de gestão.

Do ponto de vista da administração geral, os dados nos dizem que seis em cada dez executivos da alta administração acham que é preciso melhorar a captação, a motivação e o desenvolvimento dos empregados. Tudo isso, sobretudo, se nos compararmos a outros países da Europa e da América do Norte. Os diretores gerais esperam que os departamentos de recursos humanos liderem essa empreitada — um aspecto, aliás, que é pouco usual nos casos em que o departamento de recursos humanos não goza da confiança da alta direção.

O trabalho em equipe, a gestão do conhecimento e a melhora das sinergias e da interação entre as diferentes áreas da empresa são fundamentais para que elas possam se adaptar de forma ágil, inteligente e rápida às mudanças exigidas pelos mercados. Os grandes impulsionadores de mudanças nas empresas têm sido as fusões e aquisições e as novas estratégias comerciais decorrentes da necessidade de adaptação a novas visões de mercado. No tocante à alta administração espanhola, 87% dos diretores concordam plenamente que a gestão do capital humano e a boa gestão do talento constituem prioridades estratégicas.

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