quinta-feira, 1 de novembro de 2012

O desafio de formar líderes em gestão pública

"Vivendo e aprendendo Gestão Pública"
(um dia tudo será possível!)
O desafio de formar líderes foi o tema da discussão que o professor espanhol Francisco Longo trouxe à ENAP Escola Nacional de Administração Pública. Em reunião com diretores e coordenadores da ENAP, o diretor do Instituto de Dirección y Gestión Pública e professor da Escuela Superior de Administración y Dirección de Empresas (ESADE) de Barcelona destacou a necessidade de as organizações disporem de líderes inovadores e qualificados como quesito para a otimização da gestão pública.  

Para Longo, os dirigentes devem desenvolver o que chama de Potencial de Transferência de Liderança (PTL), instância fundamental à difusão do conhecimento, aumento do capital intelectual e conseqüente melhoria à condução dos serviços de interesse público. Em entrevista à ENAP, o professor reafirma o desafio assumido por muitos governos, nessa perspectiva transformadora, atestando que, apesar de necessárias, “as mudanças são difíceis porque implicam alterar atitudes arraigadas, valores, elementos que acabam constituindo nossa própria identidade”.
1 – Qual o papel das lideranças na implementação das políticas públicas orientadas tanto a uma gestão eficaz, eficiente e produtiva quanto à oferta de serviços de qualidade ao cidadão? 
Creio que as lideranças são uma parte das capacidades que o sistema público necessita para cumprir sua missão, a de governar para a sociedade, conseguindo níveis de bem-estar crescentes. Nesse empenho, as lideranças são um elemento importante, mas não único. Também se deve considerar como se desenham as instituições, se estruturam as organizações e se elaboram os processos. 
As lideranças devem obter para as organizações três coisas: a visão, a orientação, um sentido de direção; em segundo lugar, a vinculação das pessoas a essa orientação nos níveis de motivação suficientes; e, por fim, a capacidade para mudar. 
Especialmente quando as mudanças custam e são difíceis porque implicam alterar atitudes arraigadas, valores, elementos que acabam constituindo nossa própria identidade. Mudar não é fácil, e uma boa liderança ajuda as organizações a promover essas transformações. E como os líderes realizam essas tarefas? Depende de muitas variáveis, em especial o papel que ocupam no serviço público. Não é o mesmo ocupar, por exemplo, um posto de direção no Ministério do Planejamento e estar à frente de uma escola pública de um município, que também precisa de liderança, pois todo grupo humano necessita disso. São lideranças distintas. 
2 – Desde 2001, o senhor tem vindo ao Brasil discutir a transformação do Estado e a articulação horizontal na gestão de programas sociais. Segundo sua observação, há como apontar alguma mudança no processo de condução da administração pública?
Não tenho muitas informações, portanto, falarei de percepções que disponho a partir de visitas curtas ao Brasil. Quando comecei a vir já havia aqui uma administração relativamente solidária em relação a outros países próximos, ao menos no nível federal. O mais me chamou a atenção foram as reformas produzidas em alguns estados brasileiros, a criação do Consad. Em nível subnacional ocorrem iniciativas de mudança, como em São Paulo, Minas Gerais, Bahia. Tudo isso é interessante devido à natureza própria do Estado brasileiro, pois sem essa articulação não é possível governar. 
Venho de um país razoavelmente grande, em relação à média dos demais, e que, da mesma forma que o Brasil, assusta pela dimensão. 
3 – Na Espanha, algumas regiões dispõem de autonomia. É possível uma comparação com a situação brasileira, em que as unidades federativas também têm um grau de autonomia? 
Sim, é possível fazer comparações. A diferença é que na Espanha há uma delimitação maior de competências, embora não exista uma demarcação perfeita.  O modelo federativo brasileiro é de sobreposições de atribuições nos três níveis, um sistema voluntariamente ambíguo, flexível, mas difícil de manejar como tudo que é ambíguo. 
Na Espanha há também competências concorrentes em diferentes campos, mas a responsabilidade pelos grandes serviços públicos está toda nos níveis subnacionais, como educação, saúde e serviços sociais. Além disso, os tipos de administração são diferentes. Nós temos uma administração central, orientada a se relacionar com a instância supranacional, Bruxelas, por exemplo, e a realizar atividades de planejamento, ordenação e regulação do conjunto, mas não ações de execução, salvo a Defesa Nacional e as funções centrais de segurança, que estão compartilhadas com os três níveis. Em relação ao Brasil, na Espanha há um grau de separação maior. Vale destacar uma outra circunstância diferenciadora: a ordenação dos municípios é prerrogativa do legislador autônomo, subnacional, que atua com liberdade, mas dentro do marco de uma lei básica nacional. O Estado central não intervém, a organização de cada município segue o princípio da autonomia. Temos um modelo federativo mais jovem, que se deve à necessidade de auto-afirmação das diferentes partes do sistema, das comunidades autônomas e municípios frente à administração central e vice-versa, em um nível selo-competencial extremamente elevado. De outro lado, há também um debate territorial aberto, com claras repercussões políticas em duas comunidades da Espanha, na Catalúnia, onde eu vivo, e no país basco, discussão esta que acaba se cruzando no nível federal em torno de temas comuns.
4 – Essa autonomia não confere mais celeridade aos serviços públicos?A descentralização otimiza a gestão pública?
Sim, pelo menos assim deveria ser, quando as coisas funcionam bem. Para isso é necessário que os dirigentes disponham de capacidade e de recursos. A descentralização dos estados necessita de capacidade institucional, tanto no centro como na periferia. Simplesmente a vontade de funcionar de maneira descentralizada não conserta nada.  Deve-se investir na transferência de recursos necessários, contar com instituições capazes. Por exemplo, nós compartilhamos o problema do micromunicipalismo. Na Espanha há mais de 9 mil municípios, sendo que mais de 8 mil tem menos de 5 mil habitantes. Isso cria carências de escala e de massa crítica para prover os serviços na periferia. Estou cada vez mais convencido do papel extremamente importante que os municípios desempenham no sistema contemporâneo, nesse mundo que é local e global ao mesmo tempo. O papel dos municípios é insubstituível. Eu concordo com a posição de um político espanhol que aponta o problema da intolerância social à imigração, um tema da nossa agenda emergente, já que deixamos de ser 40 milhões para alcançar o contingente de 45 milhões sem incrementar as taxas de natalidade. Em poucos anos, chegaram a nosso país cinco milhões de pessoas, dividindo conosco o nosso espaço vital. Ele dizia ainda que a questão da migração requer tanto diretrizes e proposições européias quanto decisões políticas locais, pois os problemas reais derivam dos choques de cultura, da convivência e do uso comum do espaço público. Isso parece estar faltando. Esses políticos, que atuam na periferia do sistema, são extremamente importantes na política para enfrentar problemas que só se resolvem de perto. 

 5 – Existe resistência ou receptividade dos dirigentes políticos para mudar a condução das políticas? 
As duas coisas. Segundo recente intervenção do professor de Harvard, Stevan Kelman, no Consad, há algo que é bastante elementar, mas que nem todo mundo tem observado: em geral,as organizações, nos momentos de mudança, costumam interpor resistência, embora também se mostrem partidárias. É importante tanto detectar as resistências e vencê-las quanto identificar e mobilizar os partidários da mudança. 
Por outro lado, em matéria de transformação, já está tudo inventado, mas é fundamental gerar a sensação de necessidade e de urgência para mudar, na qual se exige uma liderança contundente. Além disso, é preciso utilizar a persuasão, a influência, a convicção, além de outros incentivos. As pessoas se guiam por essa dupla faceta, que inclui não apenas interesses, mas valores e princípios. Não é necessário criar discurso, mas incentivos. Deve-se ainda reduzir o stress que toda mudança acarreta, especialmente quando propõe uma profunda alteração na mentalidade e na cultura. O difícil é desaprender, não aprender. Esse momento de transição costuma ser angustiante, pois deixamos para trás parte de nossa identidade. 

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